Por Vitor Vogas / ES 360 / Foto: Agência Senado
Proposta amplia de 3 para até 10 anos o tempo máximo de cumprimento de medidas socioeducativas. Análise: iniciativa do petista quebra tabu histórico na esquerda brasileira. E mais: Contarato e um Bolsonaro “juntos”
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (8) o Projeto de Lei (PL) 1.473/2025, que torna mais rígidas as regras de internação socioeducativa de adolescentes que cometem atos infracionais. O projeto é de autoria do senador Fabiano Contarato (PT). Aprovada por 20 votos a 1 na CCJ, em caráter terminativo, a proposta seguirá diretamente para análise da Câmara dos Deputados, se não houver recurso para votação no plenário do Senado.
Relatado na CCJ pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o projeto do senador capixaba amplia de 3 para 5 anos o tempo máximo de internação para adolescentes em conflito com a lei. Nos casos cometidos com violência, grave ameaça ou equiparados a crimes hediondos, a medida poderá chegar a 10 anos. O texto altera dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad) e do Código Penal.
Hoje, com base no texto do Ecriad, vigente desde 1990, o tempo máximo de internação de um adolescente em dívida com a lei, mesmo em casos análogos a crimes hediondos, é de três anos em uma unidade socioeducativa. Isso significa, por exemplo, que um adolescente que tenha praticado um assassinato aos 17 anos de idade ficará internado, no máximo, até os 20 anos. Antes de completar 21, estará em liberdade. Com a proposta que agora segue para a Câmara dos Deputados, esse mesmo autor de ato infracional poderá ficar internado até os 27 anos.
O projeto de Contarato não mexe na maioridade penal, que continua fixada em 18 anos, conforme o Ecriad. O texto diz respeito especificamente ao tempo de internação dos adolescentes no sistema socioeducativo.
O relatório também revoga o limite de idade para liberação compulsória, antes fixado em 21 anos, permitindo que o juiz mantenha a medida até o prazo máximo previsto.
O texto inclui a audiência de custódia obrigatória para adolescentes apreendidos em flagrante, a ser realizada em até 24 horas, com a presença do Ministério Público e da defesa. Também ajusta o regime de internação provisória, que deixa de ter limite fixo de 45 dias e passa a depender de decisão fundamentada do juiz.
“Hoje, no Brasil, não importa o ato infracional praticado por uma pessoa com menos de 18 anos de idade. Pode ser estupro, extorsão mediante sequestro, homicídio qualificado ou tráfico de entorpecentes. Ainda assim, essa pessoa cumprirá, no máximo, o período de internação de três anos. Isso não é razoável”, afirmou Contarato, durante a reunião da CCJ.
O senador relembrou a experiência de 27 anos como delegado da Polícia Civil do Espírito Santo: “Tive um caso em que um adolescente de 17 anos matou o pai de família a pauladas. Se fosse adulto, responderia por homicídio qualificado com pena de 12 a 30 anos. Como era adolescente, não cumpriu sequer um ano de internação”.
A pedido do parlamentar, a Consultoria do Senado elaborou um estudo comparando a legislação de países do G20. O levantamento aponta que o Brasil é o mais permissivo: enquanto aqui o limite é de três anos, o México adota cinco anos; Argentina, Canadá e Alemanha, 10 anos; França e Itália, 20 anos; a Inglaterra não tem prazo definido; e Austrália e Estados Unidos aplicam pena perpétua.
“Sabemos que o crime é um fenômeno social e que todos nós temos interesse na redução desse fenômeno. No entanto, é necessário, já que a segurança pública é direito de todos, mas dever do Estado, que tenhamos um olhar muito mais próximo da realidade”, argumentou Contarato.
Tempo máximo de internação
- Brasil = 3 anos
México = 5 anos
Argentina, Canadá e Alemanha = 10 anos
França e Itália = 20 anos
Inglaterra = sem prazo definido
Austrália e Estados Unidos = perpétuo
Bolsonaro (o 01) e Contarato de acordo
Flávio Bolsonaro afirmou, no parecer, que a proposta tem objetivo de “corrigir fragilidades históricas do ECA [ou Ecriad]” e oferecer uma resposta proporcional à gravidade dos atos praticados.
Para o relator, o texto preserva a proteção integral prevista na Constituição, mas reestabelece o equilíbrio entre os direitos do adolescente e o direito da sociedade à segurança pública.
Outras mudanças
O projeto de Contarato também altera o Código Penal para eliminar a atenuante de menoridade relativa, que beneficiava réus com menos de 21 anos no momento do crime. Além disso, eleva de 70 para 75 anos a idade a partir da qual o réu pode ter pena reduzida e prazos prescricionais diminuídos.
Análise: iniciativa do petista quebra tabu histórico na esquerda brasileira
Ao propor o alongamento do tempo de internação de “menores infratores”, indo ao encontro de um antigo clamor da população brasileira afligida pela insegurança pública, o projeto de lei de Contarato quebra um tabu secular no seio da esquerda brasileira. Historicamente, militantes e parlamentares de esquerda, incluindo os do PT, mostram-se muito refratários a qualquer menção de mudança nos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que dizem respeito aos autores de atos infracionais, seja a maioridade penal (tratada como cláusula pétrea), seja o tempo máximo de internação.
Atacando o segundo ponto, alternativamente ao primeiro, o projeto do petista Contarato já proporciona mudança substancial, adequando a legislação pátria à realidade cotidiana, tornando-a de fato mais razoável e reduzindo a sensação de injustiça e impunidade que paira sobre crimes hediondos praticados por adolescentes que, não raro, embora menores de idade do ponto de vista penal, já têm discernimento o bastante para compreender a gravidade dos seus atos.
Nos últimos tempos, com monumental atraso, a própria esquerda parece enfim ter percebido o quanto ficou para trás nessa pauta, deixando a agenda da segurança pública ser dominada, quase monopolizada, pela direita. Dispostos a recuperar alguns palmos de terreno nessa arena, líderes e ideólogos de esquerda passaram a admitir a necessidade de rever conceitos e dogmas. O próprio Contarato, reiteradamente, expressa essa autocrítica. Indo contra a maré vermelha, a iniciativa do senador capixaba é um passo na direção de uma necessária mudança de mentalidade.