Por Vitor Vogas / ES 360 / Foto: Divulgação
E mais: falta de transparência infelizmente segue prevalecendo na Câmara da maior cidade capixaba. Após dias de insistentes e infrutíferas tentativas, desistimos de obter respostas oficiais para perguntas do máximo interesse público
Um médico de Serra Sede, um líder comunitário de Serra Dourada 2 e outro de Cidade Continental (Setor América). Em primeira mirada, Thiago Peixoto (PSol), Wilian da Elétrica (PDT) e Marcelo Leal (MDB) têm partidos, origens e histórias bastante diferentes.
Há pouquíssimo em comum entre eles, tirando dois fatos que os uniram na mesma ação judicial: nas eleições municipais a vereador da Serra em 2024, os três ficaram como primeiro suplente das respectivas chapas; e, no dia 23 de setembro, três vereadores eleitos pelas respectivas chapas, ao lado de um quarto, foram afastados por decisão judicial, em ação criminal movida pelo MPES, sob a acusação de terem praticado o crime de corrupção passiva. Isso abriu aos três suplentes a expectativa de poderem tomar posse, o que os levou a se unirem como autores da mesma ação na Justiça.
Na última quarta-feira (8), o juiz Rodrigo Ferreira Miranda, da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, Estadual, de Registros Públicos e Meio Ambiente, acolheu o mandado de segurança cível impetrado pelo advogado Helio Deivid Amorim Maldonado, em nome dos três suplentes. Na decisão liminar, o juiz obriga o atual presidente em exercício da Mesa Diretora da Câmara, William Miranda (União), a dar posse ao trio de suplentes em prazo de três dias úteis, sob pena de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Inicialmente, a Procuradoria da Casa expressou o entendimento de que a Mesa só precisaria empossar os suplentes dos vereadores afastados 120 dias após o afastamento dos respectivos titulares. O juiz de 1º grau discordou e determinou a posse em três dias.
Agora, Thiago, Wilian e Marcelo se preparam para, efetivamente, serem empossados e darem início ao mandato. Por isso, apresentamos abaixo um miniperfil de cada um. Eles respondem quais serão as prioridades do mandato que esperam de fato assumir nesta semana.
MARCELO LEAL (MDB)
Marcelo Leal tem 44 anos. Cresceu na Serra, na região de Carapina. Hoje, mora no Civit I. Com o ensino médio completo, define-se como um “empreendedor”: ajuda pessoas da sua comunidade a vender e alugar imóveis. Desde 2022, é o presidente da associação de moradores do bairro Serra Dourada 2. Reeleito este ano, está no segundo mandato à frente da entidade.
Em 2020, em sua primeira empreitada eleitoral, pelo Solidariedade, teve 703 votos para vereador. Em 2024, já no MDB, alcançou 1.956. Segundo ele, 70% dos seus votos foram obtidos na região do Civit, que abrange 16 bairros, entre os quais Serra Dourada 2. Assim como seu partido, ele apoiou a candidatura do atual prefeito, Weverson Meireles (PDT), de quem será aliado na Câmara.
“Quero assumir o mandato para contribuir com o crescimento da cidade. Por eu vir do movimento comunitário e já militar nessa causa há algum tempo, minha principal bandeira serão as demandas da comunidade que surgem no dia a dia, a necessidade de atendimento das pessoas. Vou honrar os votos que recebi nas urnas e dar a minha contribuição, levando as demandas das pessoas e dando as respostas, que é o que elas esperam de nós.”
WILIAN DA ELÉTRICA (PDT)
Wilian da Elétrica tem 46 anos. Nascido em Resplendor (MG), veio criança para a Serra e foi criado no bairro Jardim Tropical. Hoje reside em Cidade Continental, mas mantém seu comércio no ramo que se deduz de seu nome de urna: é eletricista automotivo, profissão que, segundo ele, exerce há 35 anos – sim, começou aos 11 anos. Tem ensino fundamental incompleto. Wilian atualmente preside a associação de moradores do Setor América de Cidade Continental, na região da Grande Anchieta.
Dos três suplentes desta lista, ele é o único que já passou pela Câmara da Serra: eleito em 2020 pelo PDT, apoiando o retorno de Sérgio Vidigal à Prefeitura da Serra, foi vereador da base aliada de 2021 a 2024. Durante todo o mandato, presidiu a poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pela qual passam todos os projetos de lei. Antes, havia tentado duas vezes, sem sucesso, chegar ao Parlamento Municipal, ambas pelo PCdoB: em 2012, apoiando Vidigal (derrotado por Audifax Barcelos), e em 2016, apoiando Audifax (que derrotou Vidigal).
Na eleição de 2024, pelo PDT, apoiou o correligionário Weverson Meireles, agora prefeito. Fará parte de sua base na Câmara.
“Vamos defender a população da melhor forma possível na saúde e na segurança, e dar continuidade aos serviços que exerci nesses quatro anos”, diz o pedetista, citando seu projeto de pagamento de um auxílio-aluguel pela Prefeitura da Serra a mulheres vítimas de violência doméstica, o qual ele apresentou no mandato passado e virou lei municipal. “Vamos ouvir os moradores e atender aos anseios deles da melhor forma possível junto ao Poder Público”, completa.
THIAGO PEIXOTO (PSOL)
Criado em Serra Sede, Thiago Peixoto, 40 anos, é auditor fiscal efetivo da Prefeitura da Serra e médico. De manhã, dá expediente na Secretaria de Desenvolvimento Urbano; de tarde, atende crianças nas unidades regionais de saúde de Serra Sede e Jacaraípe, como servidor terceirizado.
Presidente do PSol na Serra, ele será não só o primeiro vereador do partido na história do município como também o primeiro vereador em qualquer cidade capixaba além de Vitória. Também será o primeiro homem gay assumido com lugar no plenário da Câmara da Serra. E, como faz questão de frisar, será o único vereador de esquerda entre os 23 da atual legislatura.
Thiago diz chegar à Câmara consciente da responsabilidade intrínseca a seu pioneirismo. Sobre sua orientação sexual, afirma: “Só de eu estar lá, será um avanço. Buscarei principalmente evitar o retrocesso, os ataques que ocorrem lá, as provocações”.
Entre as pautas que pretende levar para seu mandato, o psolista destaca a defesa dos direitos dos trabalhadores, especificamente dos servidores públicos; a defesa dos direitos das pessoas com deficiência; a valorização da cultura e do turismo; a defesa do SUS; e o combate à corrupção, inclusive no próprio Legislativo Municipal, dado o contexto em que ele assumirá o mandato. Logo na sua primeira semana no cargo, ele pretende fazer um “protocolaço”, apresentando uma série de projetos de lei.
Vão ou não vão tomar posse?
O cumprimento efetivo da determinação judicial passou a ficar envolto em uma nuvem de dúvida. Na tarde de quinta-feira (9), dia seguinte à expedição da ordem judicial, o presidente interino da Câmara, William Miranda, recebeu os três suplentes em seu escritório de advocacia. O presidente não atendeu aos insistentes contatos da coluna para responder sobre o procedimento a ser adotado diante da decisão. Laconicamente, limitou-se a uma frase que pouco informa: “Nós vamos cumprir todas as determinações legais. É isso que tenho a dizer”.
Mas os três suplentes saíram da reunião com Miranda na quinta-feira dizendo o mesmo: segundo Marcelo, Wilian e Thiago, o presidente interino lhes garantiu que daria cumprimento à decisão, ao fim do prazo de três dias contados do momento em que a Câmara fosse oficialmente notificada. O presidente precisaria desses poucos dias para exonerar todos os assessores dos três titulares afastados que continuam lotados nos respectivos gabinetes.
Entretanto, na sexta-feira (10), extraoficialmente, recebemos uma informação que vai em sentido oposto: a de que a Câmara da Serra, representada por Miranda, entrará com recurso no Tribunal de Justiça do Estado (TJES) para tentar reverter liminarmente a decisão que a obriga a empossar os três suplentes. A gestão de Miranda, portanto, prefere não ter que dar posse ao trio de suplentes e, para não ter de fazê-lo, vai apelar para a segunda instância.
Tudo muito dúbio, até porque, sai presidente, entra presidente, as coisas continuam como dantes na Câmara da Serra: bem pouco transparentes.
Desde quinta-feira (9) de manhã, malgrado nossas reiteradas tentativas, não conseguimos obter resposta alguma do presidente, do procurador-geral e da assessoria de imprensa da Câmara, para duas singelas perguntas: a Câmara dará posse aos suplentes? Recorrerá da decisão? Nenhum telefonema foi atendido. Nenhuma mensagem de Whatsapp foi respondida, salvo a única declaração acima concedida pelo presidente, a qual não só diz pouco como contém uma ambiguidade: “Nós vamos cumprir todas as determinações legais. É isso que tenho a dizer”.
São informações da mais alta relevância e de elevado interesse público. Não dizem respeito ao colunista, mas à sociedade serrana e à representatividade popular. Mas a Câmara da Serra, lamentavelmente, continua não primando pela transparência nem pela publicidade de seus atos.