Notícias

[wpadcenter_ad id=8039 align='none']

“Risco de quebra de sigilo fiscal”, diz procurador do Estado, sobre ação da Prefeitura de Vitória

“Risco de quebra de sigilo fiscal”, diz procurador do Estado, sobre ação da Prefeitura de Vitória

Por Vitor Vogas / ES 360 / Foto: Lívio Oliveira Ramalho é subprocurador-geral do Estado (Divulgação)

Subprocurador-geral do Estado também aponta “fiscalização indevida”, invasão de competências, risco de “tumulto” no cálculo do IPM e de “enfrentamento entre municípios” na partilha do ICMS

O Governo do Espírito Santo avalia que as recentes iniciativas da Prefeitura de Vitória visando à revisão de sua cota-parte na partilha do ICMS para os municípios não têm amparo legal e representam ameaça de exposição de dados fiscais sigilosos de empresas em todo o território capixaba, além de gerar “desassossego” em outros municípios e, no limite, poder desencadear um desnecessário “enfrentamento fiscal” entre eles. Essa é a visão apresentada pelo subprocurador-geral do Estado, Lívio Oliveira Ramalho, representante do Executivo Estadual na ação movida no Tribunal de Justiça (TJES) pela Prefeitura de Vitória contra o Governo do Estado.

Em dezembro do ano passado, a administração do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) entrou com a ação judicial, pedindo autorização para acessar a base de dados da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), com as declarações de operações tributáveis dos contribuintes de todo o Espírito Santo. Tais documentos (DOTs) são usados pela Sefaz como base do cálculo do VAF-IPM (índice que define o tamanho da fatia do ICMS estadual para cada município, no ano seguinte).

Em um primeiro momento, a Justiça autorizou a Prefeitura de Vitória a acessar as declarações das empresas com sede no próprio município. Em julho deste ano, expandindo o escopo da decisão, a desembargadora Marianne Júdice de Mattos, relatora da ação no TJES, obrigou a Sefaz a transmitir à Prefeitura de Vitória os documentos fiscais de pessoas jurídicas sediadas também em outras cidades capixabas – a base de dados completa da secretaria.

De posse dos dados, conforme consta nos autos, a Prefeitura de Vitória passou a apurar eventuais inconsistências ou incorreções nos documentos fiscais enviados à Sefaz por alguns contribuintes. Ainda com base nos autos, ao constatar possíveis inconsistências, Vitória enviou notificações diretas a algumas empresas sediadas na Serra, para que as respectivas declarações fossem alteradas e corrigidas.

Tais notificações foram levadas por empresários ao conhecimento da Prefeitura da Serra. Esta, por sua vez, mandou ofício ao Governo do Estado, informando a situação.

O Governo do Estado, então, ajuizou no TJES um agravo interno (já pautado para julgamento) e um mandado de segurança cível, pedindo que a Justiça suspenda imediatamente o acesso de Vitória ao banco de dados da Sefaz.

Na última sexta-feira (24), a desembargadora Marianne Júdice concedeu a liminar, determinando que o município “se abstenha de notificar ou de qualquer maneira dirigir-se aos contribuintes, principalmente aqueles sediados em outros municípios, para que alterem as DOTs ou que corrijam documentações fiscais inerentes às operações com tributos estaduais”, sob pena de multa diária de R$ 500 mil por descumprimento.

O subprocurador-geral do Estado, Lívio Oliveira Ramalho, explica a posição do governo Casagrande a respeito da ação judicial impetrada pelo município de Vitória:

“A legislação determina que os municípios tenham acesso às DOTs, as Declarações de Operações Tributáveis, que são utilizadas para fazer a definição do IPM, mas só aquelas referentes a cada município. Para quê? Para que os municípios possam avaliar se houve o cálculo devido à luz das DOTs. Aí então o município, se assim entender, pode impugnar o cálculo do seu IPM, realizado pela Sefaz. Ocorre que o município de Vitória entrou com essa ação porque não queria ver apenas as DOTs das empresas sediadas em Vitória. Queria ter acesso às DOTs dos contribuintes sediados em todos municípios do Estado. E obteve autorização para isso”.

Desde então, segundo ele, o Governo do Estado passou a cumprir a decisão, liberando à Prefeitura de Vitória acesso a todas as DOTs, enquanto recorre ao TJES. “Não concordamos, mas decisão judicial se cumpre.”

“Violação do sigilo fiscal”

O subprocurador-geral do Estado cita algumas preocupações mantidas pelo Palácio Anchieta. A primeira delas diz respeito ao sigilo fiscal das empresas espalhadas por todo o Espírito Santo.

A legislação do Estado não determina que um município tenha acesso às declarações de empresas sediadas em outros municípios. Nossa primeira preocupação é com o sigilo fiscal das empresas, pois, mais que as DOTs, a Prefeitura de Vitória requereu e obteve acesso à Escrituração Fiscal Digital (EFD) das empresas. As EFDs vão muito além. Não contêm somente a declaração de operações tributáveis, mas a vida fiscal inteira da empresa. São todas as informações, sobre todas as atividades da empresa”, explica o representante da PGE.

“Para nós, isso configura violação do sigilo fiscal, não por qualquer desconfiança em relação ao município ou por entendermos que o município não guardará essas informações, mas porque o Estado é o guardião legal desse sigilo fiscal”, afirma Ramalho.

“Completamente fora das competências”

O membro do órgão jurídico do Estado expõe outra grande preocupação, relacionada às notificações que, segundo os autos, Vitória passou a fazer, por conta própria, diretamente a empresas sediadas em outras cidades. Segundo ele, além de irregular, isso significa uma invasão de competências do Estado.

“Avançando no escopo da decisão judicial, o município de Vitória, mais que receber as informações, passou a usá-las para notificar contribuintes, inclusive de outras cidades, requerendo correções. De posse das DOTs, eles poderiam detectar alguma impropriedade nas declarações, mas, nesse caso, deveriam comunicar ao Estado para que tomasse as devidas providências. Não pode o próprio município fiscalizar empresas por questões relacionadas a tributos estaduais. Isso está completamente fora das competências do município.”

Ramalho ainda explica por que o Estado decidiu reagir na mesma frente judicial, a partir de uma provocação da Prefeitura da Serra:

“Recebemos, do município da Serra, a comunicação oficial de que o município de Vitória estaria, entre aspas, ‘fiscalizando’ empresas sediadas no município da Serra e notificando esses contribuintes em outros municípios para corrigir e ajustar as suas DOTs. Isso foge completamente às competências do município, pois se trata de ICMS. Estamos falando de tributação estadual.”

“Vai haver um enfrentamento entre os municípios”

Segundo o subprocurador-geral do Estado, a investida de Vitória tem gerado um “desassossego” nos demais municípios:

“O município da Serra oficiou o Governo do Estado para que se manifestasse e buscasse refrear essa atuação do município de Vitória. Do contrário, se isso não for refreado, cada município vai se sentir no direito de influenciar de alguma forma no cálculo da Sefaz para aumentar o próprio IPM. E aí, sim, vai haver um enfrentamento entre os municípios”.

Além do “risco de enfrentamento entre os municípios”, Ramalho adverte para o risco de “tumulto” no estabelecimento do percentual correspondente a cada um na partilha do ICMS. Afinal, como rezam os ditados populares, “farinha pouca, eu quero o meu pirão”, e cada um há de querer puxar a brasa para a sua sardinha.

“Isso vai gerar um tumulto enorme no próprio processo de fixação do IPM dos municípios. Cada um vai querer puxar mais para o seu lado. E quando é que vai se fechar essa conta? Cada município vai ficar ali mexendo, fazendo alterações, tentando demonstrar que houve um valor agregado maior nas operações das empresas no seu município… e isso vai se refletir no percentual do outro. Afinal, o ‘bolo’ é o mesmo: para um ganhar mais, o outro tem que ganhar menos.”

A nota oficial da Prefeitura de Vitória: “igualdade”, “transparência” e “diálogo”

Procuramos a Prefeitura de Vitória e solicitamos entrevista com uma fonte da área fazendária para aprofundarmos o ponto de vista do município acerca dos fatos narrados aqui.

Por intermédio da assessoria de imprensa, a administração municipal emitiu uma nota com seu posicionamento oficial:

A Prefeitura de Vitória informa que solicitou o fornecimento de dados referentes à partilha do ICMS, com o objetivo de assegurar igualdade e transparência em relação a todos os municípios do Estado.

A administração municipal acrescenta que não pode se manifestar de forma mais detalhada, considerando a possível exposição de dados de terceiros, contribuintes do ICMS. Ressalta, ainda, que está aberta ao diálogo republicano entre os entes envolvidos no tema e aguarda o desfecho do processo para se manifestar oficialmente.

As alegações oficiais do Estado

No TJES, a relatora da ação, desembargadora Marianne Júdice de Mattos, já pediu a inclusão do agravo interno do Governo do Estado em pauta para julgamento no 1º Grupo das Câmaras Cíveis Reunidas, colegiado formado por oito desembargadores.

No recurso contra a Prefeitura de Vitória, o Governo do Estado pede a derrubada da decisão que ampliou a concessão da medida liminar para ordenar que o Estado permita a Vitória o acesso às Escriturações Fiscais Digitais (EFDs) de todos os contribuintes de ICMS do Estado correspondentes aos anos de 2023 e 2024, no prazo de dez dias.

O Estado requer a reforma da decisão, argumentando que ela “impõe grave risco ao sigilo fiscal e negocial dos contribuintes capixabas, afrontando a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional”.

A PGE também argumenta que o pedido formulado por Vitória extrapola os limites do direito à informação previsto na legislação nacional, pois busca dados que não são utilizados diretamente no cálculo do Valor Adicionado Fiscal (VAF), tais como EFDs completas.

O Estado afirma, ainda, que o município já possui acesso às Declarações de Operações Tributáveis (DOTs), que contêm os dados suficientes para acompanhar o cálculo do IPM, e não há justificativa legal para o acesso irrestrito às EFDs.

Vitória está correndo contra o tempo

Outra decisão tomada pela desembargadora Marianne Júdice no curso do processo prova o quanto Vitória busca correr contra o relógio, para que declarações de empresas sejam corrigidas a tempo de as alterações incidirem no cálculo da Sefaz para determinação do IPM de cada município capixaba no exercício financeiro de 2026.

Em despacho do dia 11 de setembro – após ter autorizado o acesso de Vitória aos dados –, a desembargadora relatou que o Governo do Estado informara que estava providenciando o cumprimento da ordem judicial, mas, “diante do volume de dados”, pedira alargamento do prazo para cumprimento da determinação.

Vitória, por sua vez, rechaçou os argumentos do Governo do Estado para pedir mais prazo. Além disso, sublinhando a urgência da situação, lembrou que o município só teria até o dia 15 de setembro para apresentar recurso administrativo contestando os percentuais do IPM definidos pela Sefaz.

Trocando em miúdos, como se extrai das alegações das duas partes, a Prefeitura de Vitória e o Governo do Estado passaram a travar, dentro da disputa maior, uma “subdisputa” relacionada ao tempo de cumprimento da decisão: Vitória tinha evidente senso de urgência, enquanto o Palácio Anchieta pedia dilatação do prazo.

Em decisão “salomônica”, a relatora deu ao Executivo Estadual prazo de 30 dias, contados da decisão (de 11 de setembro), para transmitir todos os dados a Vitória, “diante do acréscimo significativo no volume de dados a serem disponibilizados em virtude do alargamento do escopo da medida liminar [com a inclusão das EFDs]”.

Ao mesmo tempo, ela autorizou Vitória a apresentar recurso administrativo, impugnando o valor do VAF Provisório, no prazo de cinco dias, iniciado no dia útil seguinte à data da disponibilização das informações pela Sefaz. Assim, em vez de vencer em 15 de setembro, o prazo de Vitória para contestar a conta preliminar do Governo do Estado expirou em meados deste mês.

“Risco de quebra de sigilo fiscal”, diz procurador do Estado, sobre ação da Prefeitura de Vitória

“Risco de quebra de sigilo fiscal”, diz procurador do Estado, sobre ação da Prefeitura de Vitória

“Risco de quebra de sigilo fiscal”, diz procurador do Estado, sobre ação da Prefeitura de Vitória