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Entrevista – Rafael Pacheco: “A Sejus não fica mais nas cordas”

Por Vitor Vogas / ES 360 / Foto: Divulgação

Secretário estadual de Justiça explica a revolução implementada em suas redes sociais. Responde se tem ou não planos eleitorais. E revela qual é, hoje, seu maior objetivo na vida pública

Chega a ser curioso. No jargão jornalístico, quando uma autoridade se esquiva da imprensa, não responde aos contatos e evita ao máximo a exposição pública, dizemos que a pessoa “mergulhou”. O agente da Polícia Federal Rafael Pacheco, secretário estadual de Justiça desde 2023, tem por hobby, literalmente, o mergulho submarino. Junte-se a isso a discrição exigida por sua atividade original, no setor de inteligência da PF. O resultado é que, até assumir o cargo, o homem aparecia muito pouco. Seu Instagram, com cerca de 300 seguidores, só tinha mesmo a tribo dos escafandro e fotos subaquáticas dele mesmo.

Mas isso mudou radicalmente no momento em que Pacheco foi convidado por Renato Casagrande para assumir a Sejus, secretaria que administra todo o sistema prisional capixaba (25 mil presos, uma das maiores populações carcerárias do país, proporcionalmente, em relação à população do estado).

Pacheco revelou-se, então, um comunicador desenvolto, assíduo nas redes sociais. Seu perfil no Instagram escalou para 42 mil seguidores – em grande parte, familiares dos detentos, para quem ele fala diretamente. O secretário diz ter seguido à risca não só o exemplo, mas uma orientação do próprio governador. “Ele me disse: ‘Olha, você precisa ir para as redes sociais, você precisa mostrar o que essa secretaria faz, porque ela faz muito, mas ninguém sabe’. E é a verdade.”

Outro pedido feito por Casagrande, também cumprido por ele, foi não deixar a Sejus nas cordas, apenas se defendendo de crises e ataques. “O governador usou uma expressão que me chamou muito a atenção. Ele falou: ‘Nós fazemos um governo de enfrentamento. Este é um governo forte, nós não nos escondemos’. Ele falou isso para mim. Então, o que a gente tem hoje na Sejus é exatamente isso”.

Recentemente, em um vídeo “mais jocoso”, em sua definição, Pacheco desmontou uma desinformação espalhada pelo deputado Lucas Polese (PL). Mas isso foi pontual. Sua preocupação maior é em levar informações corretas para as famílias dos presos. Tanto que, uma vez por semana, “entre uma garfada e outra”, ele cria uma “caixinha” nos stories do Instagram. Seus seguidores podem lhe mandar perguntas diretamente, e ele tira dezenas de dúvidas.

Toda sexta, tem o “Giro nas Unidades Prisionais”. Ele exibe projetos e boas iniciativas de ressocialização pela educação, pelo trabalho e pela fé. Já atacou até de entrevistador, conversando com um egresso do sistema, ex-traficante, que passou a pregar a palavra de Deus.

Esse bom comunicador tem despertado a atenção do mercado político. Dirigentes partidários têm expressado interesse em filiá-lo e lançá-lo a deputado, pelo grupo de Casagrande. Aos 49 anos – 31 dedicados à Polícia Rodoviária Federal e à Polícia Federal – e a três de se aposentar, Pacheco explica, na entrevista a seguir, essa revolução na comunicação pública da Sejus. Responde se tem ou não planos eleitorais. E revela, ainda, qual é o seu maior objetivo.

Como o senhor explica essa mudança de estratégia, essa nova linha de comunicação adotada pelo senhor, à frente da Sejus, principalmente nas redes sociais?

Na verdade, eu tenho que dar crédito ao dono da ideia, que é o governador Renato Casagrande. Quando ele me chama em 2023 para suceder o André Garcia, meu antecessor, que acabou se tornando secretário nacional de Políticas Penais, ele me faz dois pedidos. Ele me pede para que eu continue a direção da administração do André, que, ao fim e ao cabo, é a diretriz do governo dele. E ele me pede para fazer duas coisas em relação à comunicação. A primeira é para ser diligente com a imprensa dita tradicional. Você, né? Você, os canais de comunicação sedimentados… E ele fala: “Olha, você vai lidar com questões espinhosas, que são ligadas ao sistema penitenciário, nós temos um histórico muito ruim no passado, mas é preciso enfrentar essas questões, a imprensa cumpre o papel dela e ela precisa ser bem informada. Eu gostaria que você estivesse à disposição da imprensa”. Perfeitamente, não há problema nenhum, eu já tinha esse comportamento de proximidade com a imprensa lá na Polícia Federal. Não houve dificuldade nenhuma nisso. E aí ele faz o segundo pedido: “Olha, você precisa ir para as redes sociais, você precisa mostrar o que essa secretaria faz, porque ela faz muito, mas ninguém sabe”. E é a verdade.

Foi tranquilo para você?

Foi difícil para mim, porque eu venho da área de inteligência, então eu venho de uma área de discrição, não venho de uma área de exposição. Mas ele fez esse pedido, e eu fui compreender como a gente poderia fazer isso. E aí eu fui para as redes sociais e entendi que a gente precisava criar um equilíbrio muito importante. A gente precisa sair dos extremos estéreis das opiniões do sistema penitenciário. De um lado, há a ideia equivocada de “vítima da sociedade”; do outro, a ideia, também equivocada, de “bandido bom é bandido morto”. São dois conceitos absolutamente equivocados. Você precisa realmente oportunizar uma chance para as pessoas que não querem mais cometer crimes, mas tem que fazer um cumprimento de pena duro, porque eles são criminosos, eles cometeram crimes e a pena tem que ser cumprida com disciplina, com segurança e com dureza. E eu acho que a gente conseguiu achar justamente esse balanço. E aí eu fui para as unidades prisionais para dividir tudo que é feito dentro do sistema penitenciário com a sociedade capixaba. Numa comunicação muito franca. Não é live. É comunicação, é conexão e é prestação de contas para a sociedade. Eu presto contas à sociedade do que a gente faz.

“Prestação de contas” às famílias dos presos também?

Sim. Paralelamente, eu também estabeleci uma comunicação muito “agressiva” com as famílias. “Agressiva” no melhor dos sentidos. Agressiva no sentido de “intensa”, onde as famílias falam. Por quê? Nós temos um horizonte de 25 mil presos, mas nós temos um horizonte de 125 mil familiares envolvidos nesse universo das prisões. E a lei fala da “não transcendência da pena”, ou seja, a pena não pode passar da figura do apenado, mas ela passa. Quem tem um filho preso sofre as agonias dessa prisão. Quem tem um marido preso, quem tem um irmão preso, sofre por isso. Você tem a questão do pacto econômico, você tem o pacto emocional. E essas pessoas nunca tiveram a chance de se comunicarem com a estrutura do Estado, muito menos com o secretário de Estado. Agora, as mães falam comigo.

E de que maneira o senhor mudou a comunicação com as famílias?

Eu os atendo. Eu os atendo pelo meio digital. Porque no cotidiano é muito difícil. A agenda do secretário de Estado é muito tumultuada. Eles falam direto comigo, as mães falam.

A mãe de um detento cumprindo pena em um presídio do Estado tem o seu WhatsApp direto, pessoal, e manda mensagem?

Eles usam muito o direct no Instagram. Funciona tal qual o WhatsApp. Eles mandam muito áudio. É uma população de formação intelectual muito, muito baixa. Então, eles mal escrevem. Eles falam muito. E aí vem: “Olha, eu estive com meu filho, meu filho reclamou da comida”… “Olha, meu filho não está tendo atendimento médico”… E aí tem uma delicadeza muito grande.

Por quê?

Porque o preso, obviamente, usa a própria família como meio de pressão para as questões que ele precisa dentro do sistema. Então, parte dessas questões que me são apresentadas são relevantes. Por exemplo, comida. Comida é algo que eu tenho que prestar atenção. Eu pago uma quantidade de dinheiro gigantesca todo ano por isso. Então, ao fim e ao cabo, eu estou zelando pelo recurso público. Para além da dignidade da comida daquele que come, eu tenho que zelar pelos milhões de reais que todo ano eu dispendo em alimentação prisional.

Mas é o senhor mesmo quem escuta esses áudios e responde? Ou o senhor tem alguém que faça uma triagem?

Eu tenho uma combinação com a minha equipe que as respostas são minhas. Hoje, Vitor, meu Instagram está batendo aí 42 mil seguidores. Eu vou falar um negócio para você: não é são 42 mil que só estão lá. São 42 mil que acompanham o que a gente faz. É por isso que eu falo que não é live. Não tem dancinha, não tem palminha. A gente tem produtos de comunicação. Você tem o “Giro das Unidades”, você tem os eventos que são feitos, as formaturas. Nós temos vários produtos de comunicação que são acompanhados semanalmente. Então a resposta das famílias eu mesmo faço. E todas as quartas-feiras, você tem a “caixinha”. Eu abro uma caixa, eles vão mandando as perguntas e eu respondo no stories. Toda quarta-feira, respondo entre 80 e 150 perguntas que eles mandam.

E quem faz essa triagem para o senhor? Quem o ajuda a escolher as perguntas que serão respondidas?

Eu mesmo faço.

Estamos falando em mais de 40 mil seguidores em seu perfil pessoal ou no institucional da Sejus?

Pois é. Quando fui atender a esse comando do governador, fui conversar com a nossa secretária de Comunicação, Flávia Mignone, sobre como eu deveria conduzir aquilo. E ela me disse que, do ponto de vista da comunicação, a personalização era mais interessante porque ela dava mais conexão com as pessoas. Nos moldes que faz o próprio governador: “No pique do Casão”, a “Agenda do Casão”… Então é uma comunicação que abraça mais. Você sai daquela rigidez da comunicação institucional. Ela me deu essa orientação e, obviamente, assim eu fiz. Então eu fiz, guiado por uma profissional de comunicação, que é a nossa secretária de Comunicação, e assim venho fazendo. O dia da “caixinha” é muito interessante, porque vêm essas perguntas: “Como é que eu transfiro o meu filho?”. “Olha, meu marido está preso. Eu estou grávida. Como é que eu registro o meu filho?”. É tudo muito humilde, sabe? É um recurso do Instagram: você abre uma “caixinha”, e as pessoas vão fazendo perguntas. “Faça uma pergunta para o Pacheco”. Geralmente vai ao ar Às quartas, por volta de meio-dia. E as pessoas vão mandando.

O senhor dedica quanto tempo para isso?

Eu dedico entre uma garfada e outra. Entre um compromisso e outro. Entre um carro e outro. Entre um banheiro e outro.

E qual era o número de seguidores que o senhor tinha em seu perfil pessoal no Instagram, ao assumir a Sejus?

Tinha 350. Porque eu gosto de mergulhar. Gosto de mergulhar e de viajar. Então, as fotinhas no meu Instagram são mergulhadores. Basicamente, meus amigos. Mas, hoje, você só vai encontrar Sejus. É Sejus, Sejus, Sejus, Sejus, Sejus o tempo todo.

Numa conversa anterior que tivemos, não gravada, o senhor usou uma expressão muito interessante. Falou que, do ponto de vista comunicacional, a Sejus “saiu das cordas”. A ideia e a orientação, da secretária de Comunicação e do próprio governador, é “não levar mais desaforo para casa”, não deixar mais ataques sem resposta?

Exato. O governador usou uma expressão que me chamou muito a atenção. Ele falou: “Nós fazemos um governo de enfrentamento. Este é um governo forte, nós não nos escondemos”. Ele falou isso para mim. Então, o que a gente tem hoje na Sejus é exatamente isso. Você vai fazer uma matéria sobre a Sejus e ela é desagradável? A nós não tem problema, não. É republicano. Vai lá, fala o que você tem que falar. E eu vou responder. Eu vou responder. É exatamente isso. Então, hoje, eu não fico mais à reboque nem da mídia tradicional, nem da mídia digital e nem dos oportunistas de plantão. O meu papel é esse. Eu presto contas. O que você quer perguntar? Eu estou aqui para responder.

Recentemente, o senhor fez algumas respostas especificamente dirigidas ao deputado Lucas Polese, em razão de críticas e provocações feitas por ele…

Na verdade, não foram críticas nem provocações. Foram mentiras. A comunicação instantânea, moderna, tem muitas vantagens, mas tem algumas desvantagens. O maior mal é a desinformação. Então, ele vai às redes. Primeiro, na verdade, foi um senador de Minas Gerais, o senador Cleitinho, que disse que a gente estava dando aula de jiu-jitsu para presos. O Polese replicou isso no Espírito Santo. E isso nunca aconteceu. Nunca aconteceu. Com isso, perceba, você acaba inflamando uma série de pessoas porque o jiu-jitsu, como arte marcial, vai fazer uma conexão com a ideia do preso muito ruim. Você está ensinando criminosos a dominar uma arte marcial potencialmente letal. Isso caiu como uma bomba no nosso colo. Repercutiu muito. E isso gera um problema para a gente.

É o que eu falo: não tenho problema com crítica. E não tenho problema em prestar conta das minhas ações, inclusive dos meus erros. Agora, mentira não está no cardápio. Mentira não está no pacote. Não é legal trabalhar com a ideia da mentira. Não pode. Então fui lá esclarecer: “Olha, isso nunca aconteceu. Não tem aula de jiu-jitsu para preso aqui”. Aí o que ele fez? Ele dobrou a mentira. Ele pegou uma matéria do Iases [Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo]. Em 2023, de fato, o Iases tentou estabelecer aula de jiu-jitsu para os socioeducandos, que são os menores que estão lá no sistema socioeducativo. Ele falou: “O secretário tá aí, dizendo que não tem, mas tem”. Aí eu tive que fazer um vídeo, e olha que eu não gosto desse tipo de proposta… um vídeo jocoso. Eu não chamei ele de “estúpido”, porque você tem que manter um mínimo de liturgia republicana para explicar para ele que Iases não é Sejus. Que menores infratores não são presos.

Inclusive, o Iases está sob a gestão da Secretaria de Direitos Humanos. Não está sob a sua liderança…

Exatamente. Mas o que acontece? Pouco importa, porque esse tipo de ação não tem compromisso com nada. Nada, absolutamente nada. Eu acho que o mal do século, realmente, é a desinformação. O cara lança uma dessa e não está nem aí. Esse cara é um mentiroso contumaz. Realmente, não é um exemplo para nada nem ninguém. Mas é bem isolado. Eu estou nessa comunicação digital há um ano e meio e tive esse momento com esse deputado. Então, é assim. Dentro do universo comunicacional, a gente realmente se dedica a fazer a divulgação correta do que a gente faz. Não ficar se preocupando com a bobagem que os outros falam. Mas, quando isso passa de uma linha do aceitável, aí não tem jeito. Aí eu tenho que me manifestar.

O senhor avalia ser candidato a algum cargo eletivo no ano que vem?

Não, não avalio. Agora, eu vou te dizer qual é a minha pretensão. Eu realmente não tinha a menor ideia do que era o sistema prisional. Sou policial federal. E, quando chego aqui, não tenho a menor ideia do que é isso. E aí eu tenho a percepção de que a gente precisa mudar a perspectiva e a compreensão da sociedade capixaba sobre o que é o sistema prisional. De vez. Precisamos fazer com que a sociedade capixaba compreenda que isso é um serviço de utilidade pública, tanto quanto é uma escola ou um hospital. Pode não carregar a mesma nobreza de um professor ensinando as nossas crianças, de um médico cuidando dos nossos enfermos, mas é um serviço de utilidade pública. Então, o que eu quero realmente é mudar essa percepção, como policial, porque o sistema prisional é parte do sistema de justiça criminal.

Mas de que maneira? Pelo que eu estou entendendo, o senhor, a partir da sua experiência agora 100% mergulhado nesse universo, nesse serviço público, abraçou isso como uma causa, um projeto de vida, que é ajudar a mudar a consciência das pessoas quanto a isso. A melhor maneira não seria exercendo um mandato eletivo?

Ora, no mandato eletivo você vai ficar diluído, até porque a Assembleia Legislativa do Espírito Santo tem 30 deputados e você poderia ser a voz desse segmento, mas, dentro de uma estrutura parlamentar, você tem menos velocidade, menos incisão do que como secretário do Executivo.

Mas de que maneira, então?

Ah, eu gostaria de continuar secretário. Num novo governo, se enxergarem dessa forma, que a gente conduz de forma positiva o trabalho que a gente vem fazendo nessa busca pela mudança de percepção, eu gostaria de transcender o governo como outros secretários fizeram, como fez Eugênio Ricas, que foi meu superior e trabalhou em dois governos.

O próprio André Garcia, seu antecessor, trabalhou em dois governos…

u tenho uma proposta, realmente, de entrega do trabalho para a sociedade que me paga. Eu não sou partidário. Acredito que a política partidária é instrumento civilizatório, é a troca da violência e da agressão pelo debate de ideias. Eu acredito nisso tudo. Eu acredito em democracia. Eu voto, eu exerço meus direitos políticos. Mas hoje eu gostaria de continuar fazendo o que estou fazendo, porque eu tenho apoio governamental para fazer isso, eu tenho apoio do governador do Estado, eu tenho apoio institucional do Ministério Público, da Defensoria Pública, do próprio Legislativo capixaba, do Poder Judiciário, e eu gostaria de ter mais tempo para consolidar essas ações que a gente vem fazendo. Então, a candidatura não é algo que tenha me mobilizado em nenhum momento para sentar com qualquer liderança política do Estado para falar “e aí, vamos falar de uma vaga no Parlamento no que vem?” Não, não foi tratado por mim, eu não fui procurado para falar sobre isso, o governador não sentou comigo para falar sobre isso, então eu continuo perseverando aqui no meu cotidiano, que não é mole, né? É dureza o meu dia a dia.

Entrevista – Rafael Pacheco: “A Sejus não fica mais nas cordas”

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