Por Vitor Vogas / ES 360 / Foto: Divulgação
Com 251 votos favoráveis à retirada de pauta, Câmara impediu a votação da medida provisória que previa a “taxação BBB: bilionários, bancos e bets”. Proposta do governo Lula taxava empresas de apostas esportivas e aumentava a tributação sobre lucros de fintechs e rendimentos de aplicações financeiras
A Câmara dos Deputados derrubou na noite de quarta-feira (8) a Medida Provisória 1303/2025, que previa a tributação de investimentos, apostas esportivas e fintechs (empresas que usam tecnologia para oferecer produtos e serviços financeiros, como empréstimos e seguros). Editada em junho pelo presidente Lula (PT), a MP foi apelidada de “Taxação BBB”, pois atingia bancos, bets e bilionários.
Apresentada como alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a proposta era considerada essencial pelo Governo Federal para ampliar a arrecadação, corrigir distorções no sistema tributário nacional e fechar as contas da União no atual exercício. Entretanto, nem chegou a ter o mérito analisado no plenário da Câmara: por 251 votos a 193, os deputados aprovaram um requerimento de retirada de pauta.
Por se tratar de medida provisória, a proposta do governo precisava ser votada nos plenários da Câmara e do Senado em até quatro meses contados desde sua edição, prazo que se esgotava à meia-noite. Para não perder a eficácia, uma medida provisória precisa ser convertida em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período, como manda a Constituição Federal. Com a retirada de pauta, a MP “caducou” nesta quinta-feira (9), perdendo a validade. Assim, nem seguiu para o Senado.
Articulada pela extrema-direita (PL) e por partidos do Centrão (notadamente, Republicanos, União Brasil e PP), a manobra representa uma grande derrota política para o governo Lula e dificulta a busca do equilíbrio fiscal, uma semana após a mesma Câmara ter aprovado o projeto do governo que eleva a faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil – ainda pendente de aprovação no Senado.
Na votação da retirada de pauta da MP que aumentava a tributação dos lucros dos chamados “super-ricos”, a bancada do Espírito Santo na Câmara ficou dividida ao meio. Cinco deputados votaram a favor da retirada de pauta, enquanto outros cinco votaram contra o requerimento – portanto, a favor da manutenção da proposta na pauta de votações, para que pudesse pelo menos ter seu conteúdo analisado e votado em plenário.
Como votaram os deputados do ES
SIM: PELA RETIRADA DE PAUTA (NA PRÁTICA, CONTRA A MP)
- Amaro Neto (Republicanos)
- Evair de Melo (PP)
- Gilvan da Federal (PL)
- Josias da Vitória (PP)
- Messias Donato (Republicanos)
NÃO: CONTRA A RETIRADA DE PAUTA (NA PRÁTICA, A FAVOR DA MP)
- Dr. Victor Linhalis (Podemos)
- Gilson Daniel (Podemos)
- Helder Salomão (PT)
- Jack Rocha (PT)
- Paulo Folletto (PSB)
Contexto
Os cinco deputados capixabas que votaram pela baixada de pauta pertencem a partidos que capitanearam o movimento e cujas bancadas votaram em peso nesse sentido (contra o governo, no caso): PL, Republicanos e PP. Os três estão entre as maiores bancadas da Câmara.
Gilvan é do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja bancada tem 88 membros. Dos 75 que participaram da votação, 73 votaram a favor da retirada de pauta.
Amaro e Messias Donato são do Republicanos, partido que tem 44 deputados federais. Dos 38 que registraram voto, 29 apoiaram a baixada de pauta.
Já Evair de Melo e Da Vitória pertencem ao PP, cuja bancada tem 50 integrantes. Dos 41 que votaram, só um foi contrário à retirada de pauta. O PP formará uma federação com o União Brasil, outro partido do Centrão que votou em massa contra a MP. Dos 59 deputados do União, 51 participaram da votação. Destes, 46 foram favoráveis à baixada de pauta.
Falando em “sabotagem”, líderes do PT e do governo Lula acusaram o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), pré-candidato à Presidência da República, de ter operado pessoalmente para derrubar a MP, disparando uma série de telefonemas ao longo do dia. Ele negou ter trabalhado nos bastidores para impedir a aprovação do texto. “Estou muito focado nos problemas aqui de SP”, disse o governador à coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo.
Os presidentes nacionais do PP e do União Brasil, Ciro Nogueira e Antônio de Rueda, também foram acusados por líderes petistas de terem coordenado nos bastidores o movimento para derrubar a MP.
O presidente Lula lamentou a decisão e afirmou que “não derrotaram o governo, derrotaram o povo brasileiro”. Segundo ele, o objetivo era fazer com que “os ricos pagassem um pouco mais de impostos”, equilibrando o peso da carga tributária entre quem vive do trabalho e quem lucra com o sistema financeiro.
“O que está por trás dessa decisão é a aposta de que o país vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programas sociais que beneficiam milhões de brasileiros. É jogar contra o Brasil”, afirmou o presidente.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou que “quem votou na Câmara para derrubar a MP que taxava os super-ricos votou contra o país e o povo”.
“Hoje ficou claro que a pequena parcela muito rica do país não admite que seus privilégios sejam tocados. Não querem pagar impostos como a maioria dos cidadãos. E não querem que o governo tenha recursos para investir em políticas para a população”, disse a ministra no X.
Entenda
A Medida Provisória 1303/2025, apresentada em junho deste ano, buscava uniformizar a alíquota de Imposto de Renda sobre rendimentos de aplicações financeiras em 18%, incluindo ativos virtuais e juros sobre capital próprio, e elevar de 9% para 15% a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) para fintechs, seguradoras e instituições de pagamento. O texto também previa tributação sobre apostas esportivas, as chamadas bets, com alíquota de 12% sobre a receita bruta das empresas.
A proposta foi editada por Lula com o objetivo de elevar tributos para compensar o recuo do governo no decreto de maio que elevava o IOF, alvo de forte rejeição no Congresso e na sociedade.
O relator da MP da Taxação BBB na Câmara foi o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Para conseguir colocar o relatório em votação, o governo fez uma série de concessões. A bancada do agronegócio, por exemplo, conseguiu retirar do texto o aumento da taxação sobre o rendimento de Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).
A Comissão Mista aprovou o texto por apenas um voto de diferença: 13 a 12. Inicialmente, a arrecadação com a MP era estimada em R$ 35 bilhões no orçamento do ano que vem, mas, após as mudanças no texto, a estimativa caiu para R$ 17 bilhões. Esse é o tamanho da perda de arrecadação para os cofres do Governo Federal com a derrota sofrida na Câmara nessa quarta-feira.