Por Eraylton Moreschi Junior, presidente da Juntos SOS Ambiental / Foto: Juntos SOS Ambiental
Em face da Lei 10.011/2023 do município de Vitória/ES que “Estabelece Política, Normas e Diretrizes de Proteção da Qualidade do Ar Atmosférico no âmbito do Município de Vitória e dá outras providências”.
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo
PJe – Processo Judicial Eletrônico
Número: 5015404-07.2023.8.08.0000
Classe: DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Órgão julgador colegiado: Tribunal Pleno
CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO: 10/07/2025
V O T O
(PEDIDO DE VISTA)
O SR. DESEMBARGADOR PEDRO VALLS FEU ROSA:
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Federação das Indústrias do Espírito Santo – FINDES em face da Lei 10.011/2023 do município de Vitória/ES que “Estabelece Política, Normas e Diretrizes de Proteção da Qualidade do Ar Atmosférico no âmbito do Município de Vitória e dá outras providências”.
O Ministério Público, em sede de parecer (Id 11141345), opinou pela procedência do pleito e, por consequência, pela declaração de inconstitucionalidade da norma.
Uma vez devidamente superadas as questões preliminares nos termos do voto condutor (Id 13875621), quanto ao mérito, o eminente Relator proferiu extenso e profundo voto no qual esgotou toda a matéria em pauta e, por isso, conta com a minha integral adesão.
A maior parte dos argumentos apresentados pela federação autora gravita em torno de um único eixo, qual seja, o da incompetência do município para legislar sobre a matéria ambiental pelo fato de seu tratamento colidir com os ditames da normativa em âmbito federal, o que atentaria contra o modelo de federalismo cooperativo disposto na Constituição Federal.
Em vista de sustentar tal posicionamento, a parte autora, por exemplo, cita na inicial a ADI 100200057295, de relatoria do eminente Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy, dando destaque ao item 3 da respectiva ementa.
Transcrevo-o:
3. Considerando que a Lei Municipal estabeleceu parâmetros mais brandos para a poluição sonora do que aqueles previstos na Legislação Federal, afigura-se inconstitucional a Lei impugnada, por desbordar da competência legislativa suplementar estabelecida no art. 28, II, da Constituição Estadual.
Ocorre que, no caso da ADI acima transcrita, a legislação local era mais branda do que a nacional, o que, em termos de matéria ambiental, faz toda a diferença. Como a vontade da Constituição é a proteção do meio ambiente, as normas gerais editadas pela União servem apenas como parâmetro mínimo protetivo. É sólida a jurisprudência do STF no sentido de que podem os entes subnacionais legislar de forma mais protetiva do que o ente central, como brilhantemente demonstrado no voto condutor.
Ou seja, a transcrição da ementa do julgado do egrégio Tribunal Pleno pela FINDES se deu de forma descontextualizada, de modo que sua tese vai na contramão da jurisprudência da Suprema Corte.
Na ADI 100200057295, a desarmonia que há entre a legislação local e a nacional consiste no fato de aquela tratar de forma mais branda a proteção ao meio ambiente. Já no presente caso, verifica-se situação diametralmente oposta, isto é, estamos diante de uma legislação local que trata com mais rigor a proteção ao meio ambiente quando comparada com a legislação federal – situação que possui a sua constitucionalidade chancelada pelo Supremo Tribunal Federal.
Seguindo esta linha de pensamento, concluo que, no tocante à questão do atual sistema de repartição de competências na seara ambiental, não prosperam os argumentos trazidos pela FINDES.
Por outro lado, como perspicazmente demonstrado no voto do ilustre Relator, a legislação em comento fere o princípio constitucional da Separação dos Poderes (Constituição Federal, art. 2º e Constituição Estadual, art. 17) ao fixar prazo para o Poder Executivo promover a regulamentação da matéria por ela veiculada.
Não é outro o entendimento do STF acerca da temática. Transcrevo a ementa da ADI 4727:
Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 1.600/2011 DO ESTADO DO AMAPÁ. PROGRAMA BOLSA ALUGUEL. VÍCIO DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO BENEFÍCIO AO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA REGULAMENTAÇÃO DA LEI PELO PODER EXECUTIVO. INVIABILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
1. A Lei amapaense, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata de estruturação ou atribuição de órgãos, tampouco de regime jurídico de servidores, mas tão somente determina que seja pago o auxílio aluguel, pelo Poder Público, nas situações nela contempladas, em caráter emergencial e assistencial, aplicando-se com exatidão a Tese 917 da Repercussão Geral à norma em exame.
2. A norma impugnada não incide na proibição constitucional de indexação ao salário mínimo, tendo em vista que (i) não é fixado valor, mas limite máximo do benefício; e (ii) inexiste inconstitucionalidade em qualquer vinculação a salários mínimos, mas apenas em relação a reajuste automático de salários de servidores.
3. A Constituição, ao estabelecer as competências de cada um dos Poderes constituídos, atribuiu ao Chefe do Poder Executivo a função de chefe de governo e de direção superior da Administração Pública (CF, art. 84, II), o que significa, ao fim e ao cabo, a definição, por meio de critérios de conveniência e oportunidade, de metas e modos de execução dos objetivos legalmente traçados e em observância às limitações financeiras do Estado. Por esse motivo, a tentativa do Poder Legislativo de impor prazo ao Poder Executivo quanto ao dever regulamentar que lhe é originalmente atribuído pelo texto constitucional sem qualquer restrição temporal, viola o art. 2º da Constituição.
4. Procedência em parte do pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “no prazo de 90 (noventa) dias”, contida no art. 8º da Lei 1.600, de 28 de dezembro de 2011, do Estado do Amapá.
(ADI 4727, Relator (a): Min. EDSON FACHIN; Redator (a) do acórdão: Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 23/02/2023; Publicação: 28/04/2023; Órgão julgador: Tribunal Pleno) Desse modo, assiste razão à FINDES em sua alegação da inconstitucionalidade do artigo 3, §3º da Lei 10.011/2023 sob análise que fixa um ano para o Poder Executivo promover a regulamentação por ela tratada.
Portanto, na esteira do voto condutor, concluo pela parcial procedência do presente pleito, cumprimentando o ilustre Relator pelo magistral voto.
Por essas razões, acompanho o eminente Relator para julgar parcialmente procedente o pleito autoral e declarar a inconstitucionalidade tão somente a expressão “após decorrido prazo de um ano, contados a partir da data de publicação desta Lei” do §3º do artigo 3º da Lei 10.011/2023 do município de Vitória. No mais, a pretensão autoral é improcedente, sendo constitucional todo o restante da Lei 10.011/2023, o que declaro, tendo em vista a natureza dúplice da ADI.
É como voto.